23.3.11

Diluir no suor


Há um reparo na forma de perceber o universo que me assiste. Acendo como fogo. Queimo como salamandra. Sou bem mortal nos meu sentidos, falha em minhas avaliações. A raiva me consome aos poucos, faz cuspir labaredas nos órgãos e nas veias, transforma o estômago numa pira em brasa. Sinto toda a mortalidade dentro da fumaça que me sai dos orifícios.

Na incongruência desta construção pedalo rumo a casa lembrando que, pois, não sou de barro, nem de ferro ou madeira: não me transformo com o fogo, ele me consome e acelera a decrepitude de meus poros. Pedalo escandalosa rumo ao lar e neste caminho tudo é inovador: as roupas, os sapatos, as marchas da bicicleta e o caminho, em principal, o caminho de revelação do novo pouso. Ruidosa e pouco casta, sigo o caminho da casa e atrevendo-me brincar em meus equilíbrios, surjo de saltos e calça social, como balzaquiana que sou, em riste na bicicleta ligeira. E já no meio do caminho não sabia meu destino, ainda incrédula, ainda pouco promissora, distorcida em minhas vestes, descomposta em meus cabelos. “Não tenho idades de fremir estas posturas adolescentes, não tenho porte de atleta. Meu suor é áspero, tenho já marcas na testa!”. Agüei minha camisa, a calça gruda nas coxas gorduchas, a corrente se desprega do seu aro. Suspiro.

“Qual o sentido?”

Busco em mim o pouco de dignidade que deveria agilizar minhas principais buscas, mas o mundo ainda me assusta e é novo, tudo muito novo de estratégias, de ações, de lições. Tenho novas preleções diárias e devo sempre perguntar o signo, o símbolo de tudo o que me cerca.

Pedalo para casa sozinha e já não sei andar de bicicleta. Pedalo para casa sozinha e não sabia andar de bicicleta. Pedalo pra casa sozinha e não sabia. Pedalo pra casa sozinha. Pedalo pra casa sozinha. Pedalo pra casa. Pedalo.

E eis que tudo se faz síntese. E no resumo assumo o signo. Chego a casa, tem ainda o caldo da mamãe para dar conta, retirar a roupa do molho, esfregar, esfregar, esfregar (só um pouquinho!), preparar as aulas e banhar-se, deixar a água limpar tudo.
Sono tranqüilo, madrugada de lua cheia.