11.5.11

O Sollo do acontecimento

           
            Esperando por mim estava aquela página em branco. Todos os pensamentos furtivos desapareceram durante o dia. Restou a massa pesada do outono, preparando a ser inverno, em que se compõe o solo de meu cérebro. Meus pensamentos são de chumbos. E tem já muitos meses que vem afundando meu pescoço, atrofiando minha coluna.
            Como um veio que estoura numa tarde, senti meus ares de primavera. Foi assim, abrupto como um parágrafo novo, sem despontar de seios ou se marcar na fruição das primeiras dores da menarca. A respiração imitou algo do passado: “sou eu de raízes furtivas, agindo com meu silêncio.” Há no calção da minha pisada, um vácuo, um espaço de reverberação de acontecimentos. Antes era como se não mais estivesse presente, fora estacado junto com a lama das serras, junto com o lodo das casas que vieram abaixo. Hoje me caiu como ação vespertina onde a cara de velha na qual embasava meus detritos fosse esfolada e, atrás da carne roxa e sequiosa surgisse minha face: “são meus olhos, minha boca atrás da boca dela, está a língua, os dentes (mesmo que mais amarelados!)! Estou, sou, vou,...”
            Ao invés de amplificada, harmônica, sonora eu encolhera minhas funções, meus prazeres, as prezadas e vibrantes estações de conquista. Era como se estivesse fugitiva, deitada, em cócoras, escamando para fugir das atribuições, das libações, das condições criadas para a prática e uso do corpo, da vida. Por isso a carne sangrando na cara, os olhos olhando outros olhos, o grotesco de se descobri em cascas, em travas. O corpo sem movimento, restrito a aprovação alheia a sua vontade, desejo, manejo.
            Sou eu mulher adverbial. Fizera do mundo lugar para os salvamentos, resgates infinitos e diacrônicos aos espaços, ao meu tamanho, ao tamanho do outro. Neste envolvimento insólito, onde a descoberta fez a âncora ser rompida, deixei o embasamento do eu para atestar o valor do nós sem justificar a pessoa e sua mão – a mão que se olha e observa, incontida e maravilhada: “estou aqui!” e a mesma que aciona o prazer de colher e fomentar lágrimas – , a pessoa e seu ser de antemão.
No silêncio dos meus paços, nas compras de pequenos detalhes, através do cumprimentos solitário das obrigações ordinárias, colhi o bônus de dormir só uma noite nos próprios sonhos.
            Cresci mais um pouco. Diminui um centímetro.

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