8.3.11

Para salvar a escuridão

Foi com flor de abrigo que iniciei a caminhada. Chama-se Márcio, mas o conheço como Maurício. Fez-me desenho, chamou para conversa. Sentiu-se curioso por tantos rostos e gestos de personagens estranhos que devemos ser. É por ele que começo, uma vez que os dias têm denunciado que os momentos são todos passageiros, sejam de felicidade sejam de tortura (a esta análise compartilho a amiga C. que tem por experiência a dualidade do “passageiro”). Minha mãe amada colheu-lhe lágrimas de insatisfeita criança, magoado com a atrocidade que é o crescimento.  Ao Márcio e seu irmãozinho Mauricio dedico um início. Não pude ter-lhe a mão e responder sua gentileza em me receber. Dele tive uma pequena florzinha enterrada em meu vaso de plantas. Tocava insistente em minha porta pronto para avisar de suas novidades juvenis, das motivações que o abalavam, explorava com seus olhos vivos através da fresta que se abria da porta, a curiosa existência da balzaquiana em suas elaborações para fazer valer a nova vida.
Por todo o fogo e brasa que aqueceu o último verão deixei que queimasse  meu rosto, ombros, a suavidade de meu pouso e, por ser abrupta, áspera e dura, não servi ao menino a atenção que lhe valia. Dele perdi foto, deixei de partilhar bolos, pães e geléias, não fiz carinho, não dei cafuné, não recebi nem por uma vez nesta abreviação de lar ao qual venho me instalando. Foram incontáveis as vezes que bateu minha porta sempre estendido em promessas infrutíferas (os adultos sempre criando reserva, reclamando da presença dos pequenos fazendo deles limitações para seus atrevimentos) do tempo que seria só dele. Não existiu este momento. Não houve marcação de chá ou partilha de pacote de biscoitos ainda que me dissessem que sua permanência era momentânea, sua presença, assim como a minha, era por tempo finito e breve. 
Márcio não morreu. Bem como eu me fui do apartamento de minha mãe ele seguiu sua vereda para outros campos e colinas, longe deste meu pouso que chamam de Coruja. Eu pude gozar pouco de sua presença, não cultivei nele a missão importante que é a de ser recebida e entregar-lhe o voto de mudança. Para o um que se chega aponta-se o outro que se vai, como nas estações de trens.Márcio não morreu. Apenas deixou de ser cuidado indo-se à importância de sua presença, enquanto estive bem recebida e acolhida neste Corujal
Segui por caminhos pouco conhecidos, contei com os corações amorosos e, nestas ondas de chegadas e partidas escapuliu-me o detalhe preciso da surpresa. O inesperado da vida. Há todo o planejamento para que o que é certo se aplique, há toda a organização para a justiça e a hombridade e, mesmo dentro deste rastreamento alinhado, há de se vincular ao inesperado: pessoas, ações, palavras, gestos. A não previsibilidade da ação humana.  O milagre do meu cotidiano chamou-se Márcio (que vem para evocar Júpiter e tal como guerreiro que é conduzir-me para a Guerra do dia comum!) e Maurício que dentro do seu ciclo diário puderam me incluir e fazer-me chegar logo a própria morada.
Já não estão hoje a partilhar comigo suas vidas comuns, seus jeitos, suas marcas e, para que não se percam (para que não me perca!), anuncio aqui, logo num momento inicial suas presenças. Como em todo começo há confusão e, nesta versão, ainda pode-se adicionar o traço característico da ilusão sólida que intumesce meus artigos. Faz em mim, logo nesta noite de carnaval, a despedida e abertura da nascente grega, deste rio que flui para longe e desperta para dentro.
Ao início anuncio a morte: que venha e venha porque o mundo apagou e tudo se fez claro.

Um comentário:

Anônimo disse...

quebramos a louça e reacendemos o fogo. todos os sacrifícios já foram feitos. agora é um re-início, um re-conhecimento de quem somos para que exista, de fato, o crescimento. tudo é passagem.